Gostaria
de falar sobre covardia.
Vou
citar um livro, um filme e a bíblia como referência de um fato.
Recentemente
li o magnífico livro O Cortiço, de Aluísio de Azevedo (sim, sei
que é um clássico e que todos já devem tê-lo lido na escola. Mas,
sou poscoce mesmo).
Coincidentemente, assisti recentemente ao filme: 12 anos de
Escravidão, do diretor Steve McGueen. Ah, para completar, estou
lendo a Bíblia, mas não como escritura sagrada, e sim como peça
literária (o que torna a obra até mais fácil de ser lida).
Começo
explanando que O Cortiço é uma das melhores narrativas que tive
contato, a fluência do texto e os acontecimentos soam como um relato
futriqueiro de vizinhos.
Ater-me-ei aqui a relação do personagem fio condutor, João Romão
– dono do cortiço –, e de sua companheira, a crioula
Bertoleza.
Bertoleza era, o que Laurentino Gomes explica em seu excelente livro 1808, “negro de ganho”; trabalhava arduamente e livremente para enviar uma quantia fixa a seu dono e ficar com resto. João Romão aproveitou-se das economias da escrava trabalhadeira para ampliar seus negócios e a cafuza aproveitou-se dele pois “não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua”.
O caso é que com o desenvolver da riqueza de João Romão ele, que era um ser rude e sem modos, queria fazer parte da alta sociedade da época. Engraçou-se com a filha do seu vizinho grã-fino e agora Barão, o Miranda.
Só que a escrava Bertoleza, que lutara junto a ele e foi a propulsora de sua riqueza, agora era um empecilho entre o Velho e Zulmira, filha do Miranda.
Muito se pensou em soluções para se livrar da negra: Pagá-la alguns contos, fazê-la de empregada – o que foi recusado veementemente por Bertoleza. Até em matá-la, João Romão cogitou. Tudo para que pudesse se casar com uma branca e entrar para alta sociedade.
Aí veio a traição: depois de anos dita como fugitiva, seu companheiro armou para que a polícia junto com o seu dono fosse a sua casa de surpresa e a levasse de volta, como escrava.
“Os policiais, vendo que ela não despachava, desembainharam os sabres. Bartoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasga o ventre de lado a lado”.
Isso
dito, vamos aos 12 Anos de Escravidão
Solomon
Northu era um negro liberto que foi
vendido como escravo. Por sua inteligência, consegue algumas
regalias e para mostrar sua lealdade ao seu “dono” é “obrigado”
a chicotear a personagem da ganhadora do Oscar de melhor atriz
coadjuvante, Lupita Nyong'o. 1º ato de covardia.
Quando
teve oportunidade, conta sua história a um construtor que o conhece
na fazendo e o mesmo encontra sua família e amigos e o resgata,
nesta hora, a personagem que chicoteara suplica sua ajuda – que a
leve junto consigo – e ele apenas vai.
O
cara ainda teve coragem de escrever um livro (sim, isso foi uma
história real); um livro sobre covardia.
Aí vem a pergunta: será que vale a pena sobreviver a qualquer custo – Será, SErá, SERá; SERÁ? –, se o prêmio será morrer, só que mais velho. Não seria mais honroso viver o bastante para não se envergonhar.
Sei que ninguém é capaz de julgar o outro. Se cascaviarmos, todos nós temos nossos podres escondidos ou anônimos.
E quando falei que ia citar a bíblia, é que nos trechos que li e citam a escravidão, não há nenhuma alusão a coisa proibida, pelo contrário: no Livro de Jó, deus diz: “no mundo inteiro não há ninguém tão bom e honesto como ele. Ele me teme e procura não fazer nada que seja errado”, mesmo sendo citado que ele tinha escravos.
Aí fica a dúvida: será que deus pôs no mundo pessoas divididas em castas? Os indianos estão certos?
Só posso falar por mim. Eu morreria no próprio navio negreiro, não me submeteria a escravidão por um segundo sequer e iria e vou contra os ensinamentos de deus se é isso que ele prega.
Vou
ler toda a bíblia para ter autoridade para falar sobre, mas o que eu
li até agora não me faz um religioso, ao passo, tô quase passando
de agnóstico a ateu.
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